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domingo, 15 de junho de 2014

Explosões gigantescas enterradas em poeira

Concepção artística do meio em torno de GRB 020819B, baseada em observações do ALMA. Crédito: NAOJ
 Observações obtidas com o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) permitiram aos astrônomos mapear diretamente, e pela primeira vez, o gás molecular e poeira nas galáxias onde ocorrem explosões de raios gama — as maiores explosões no Universo.

 Surpreendentemente, observou-se menos gás e muito mais poeira do que o esperado, fazendo com que estas explosões pareçam “explosões escuras”. Este trabalho foi publicado na revista Nature no dia 12 de junho de 2014.

 Trata-se do primeiro resultado científico do ALMA relativo a explosões de raios gama, evidenciando assim o potencial do telescópio no estudo deste fenômeno. As explosões de raios gama são enormes explosões de energia extremamente elevada observadas em galáxias distantes — são os mais brilhantes fenômenos explosivos no Universo.

 As explosões que duram mais do que alguns segundos são as chamadas explosões de raios gama de longa duração e estão associadas a explosões de supernovas — fortes detonações no final da vida de estrelas de elevada massa. Em apenas alguns segundos, uma explosão típica liberta tanta energia como o Sol ao longo de toda a sua vida de 10 milhões de anos.

 A explosão propriamente dita é normalmente seguida por uma emissão que se vai desvanecendo, conhecida por brilho remanescente, e que se pensa ser causada por colisões entre o material ejetado e o gás circundante.

Observações da galáxia hospedeira de GRB 020819B. As imagens mostram medições de rádio do gás molecular (à esquerda) e da poeira (ao centro), ambas obtidas com o ALMA. À direita podemos ver uma imagem no visível capturada pelo telescópio Frederick C. Gillett Gemini North. A cruz indica a localização da explosão de raios gama. Crédito: Bunyo Hatsukade (NAOJ), ALMA (ESO/NAOJ/NRAO)
 No entanto, algumas explosões de raios gama parecem não ter este brilho remanescente — são as chamadas explosões escuras. Uma explicação possível prende-se com a existência de nuvens de poeira que absorverão esta radiação remanescente. Nos últimos anos, os cientistas têm estudado galáxias onde ocorrem as explosões de raios gama, no intuito de tentar perceber como é que estes fenômenos se formam.

 Esperava-se que as estrelas massivas progenitoras das explosões de raios gama se encontrassem em regiões de formação estelar ativa, as quais estariam envoltas por enormes quantidades de gás molecular — o combustível da formação estelar. No entanto, até agora nenhum resultado observacional corroborou esta teoria, mantendo-se assim um mistério de longa data.

 Agora, e pela primeira vez, uma equipa japonesa de astrônomos utilizou o ALMA para detectar a emissão de rádio do gás molecular em duas galáxias onde ocorrem estas explosões escuras de raios gama de longa duração — GRB 020819B e GRB 051022 — a cerca de 4,3 e 6,9 milhões de anos-luz de distância, respectivamente.

 Embora tal emissão de rádio nunca tenha sido detectada nestas galáxias, o ALMA possibilitou esta detecção, graças à sua sensibilidade elevada sem precedentes.

Concepção artística do meio em torno de GRB 020819B, baseada em observações do ALMA. Crédito: NAOJ
 Kotaro Kohno, professor da Universidade de Tóquio e membro da equipa de investigação que efetuou este trabalho, disse: “Há mais de dez anos que procuramos este gás molecular nestas galáxias, utilizando vários telescópios em todo o mundo”.

 “Conseguimos finalmente atingir o nosso objetivo, utilizando o poder do ALMA”. “Estamos muito entusiasmados com os resultados obtidos”.

 Outro resultado digno de nota, e igualmente possível graças à resolução elevada do ALMA, foi a descoberta da distribuição do gás molecular e da poeira em galáxias hospedeiras das explosões de raios gama. Observações da GRB 020819B revelaram um ambiente notavelmente rico em poeira, ao mesmo tempo que foi encontrado gás molecular em torno do centro da galáxia.

 Esta é a primeira vez que é descoberta uma tal distribuição de material nas galáxias onde ocorrem explosões de raios gama. “Não esperávamos que as explosões de raios gama ocorressem em meios tão poeirentos, com uma baixa razão de gás molecular relativamente à poeira”.

 “Este fato indica-nos que as explosões têm lugar num ambiente completamente diferente da típica região de formação estelar”, diz Hatsukade. Este resultado sugere que as estrelas massivas que morrem com explosões de raios gama mudam o ambiente na sua região de formação estelar antes de explodirem.

Concepção artística do meio em torno de GRB 020819B, baseada em observações do ALMA. A explosão de raios gama ocorreu num braço de uma galáxia situada na direção da constelação dos Peixes. Estas explosões são enormes, lançando jatos a alta velocidade na direção do observador. Surpreendentemente, foi observado menos gás e mais poeira do que o esperado, o que faz algumas explosões de raios gama aparecerem como “explosões escuras”. Crédito: NAOJ

 A equipa de investigação acredita que uma explicação possível para a alta proporção de poeira comparada ao gás molecular no local da explosão de raios gama possa vir da diferença nas reações relativas à radiação ultravioleta.

 Uma vez que as ligações entre os átomos que formam as moléculas são facilmente quebradas pela radiação ultravioleta, o gás molecular não consegue sobreviver num ambiente exposto à forte radiação ultravioleta emitida pelas estrelas quentes massivas na região de formação estelar, incluindo a própria estrela que eventualmente explodirá com emissão de raios gama observada.

 Embora uma distribuição semelhante seja também observada na GRB 051022, este resultado tem ainda que ser confirmado devido à falta de resolução (uma vez que a galáxia hospedeira da GRB 051022 está mais afastada do que a da GRB 020819B). De qualquer modo, estas observações do ALMA apoiam a hipótese de que é a poeira que absorve a radiação remanescente, dando origem às explosões de raios gama escuras.

 “Os resultados obtidos foram muito além das nossas expectativas”. “Precisamos agora fazer mais observações de outras galáxias onde ocorrem explosões de raios gama para ver se estas podem ser efetivamente condições ambientais gerais de um local de explosões de raios gama”.

 “Aguardamos com muito interesse o seguimento deste trabalho, que será executado fazendo já uso das capacidades melhoradas do ALMA”, disse Hatsukade.

Artigo científico: 

 As explosões de raios gama de longa duração, com mais de dois segundos, correspondem a 70% de todas as explosões de raios gama observados. Avanços na última década mostraram a existência de outra classe destas explosões, que duram menos de dois segundos, as explosões de raios gama de curta duração, que têm muito provavelmente origem na fusão de estrelas de neutrões, não estando associadas nem a supernovas nem a hipernovas.

 A sensibilidade do ALMA nestas observações foi cerca de cinco vezes melhor que a de outros telescópios semelhantes. As observações científicas preliminares do ALMA começaram em 2011 com uma rede parcial de antenas. Estas observações foram feitas com uma rede de apenas 24-27 antenas, com separações entre si de, no máximo, 125 metros.

 A rede completa de 66 antenas oferece grande promessa relativamente ao que o ALMA será capaz de revelar no futuro próximo, quando as antenas estiverem dispostas em diferentes configurações, com distâncias entre si a variar entre 150 metros e 16 quilômetros. A proporção de poeira para o gás molecular é cerca de 1% no meio interestelar na Via Láctea e em galáxias próximas com formação estelar ativa, sendo dez ou mais vezes maior na região que rodeia a GRB 020819B.

 O ESO é a mais importante organização europeia intergovernamental para a pesquisa em astronomia e é o observatório astronômico mais produtivo do mundo. O ESO é financiado por 15 países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Brasil, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Itália, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça.

 O ESO destaca-se por levar a cabo um programa de trabalhos ambicioso, focado na concepção, construção e funcionamento de observatórios astronômicos terrestres de ponta, que possibilitam aos astrônomos importantes descobertas científicas. O ESO também tem um papel importante na promoção e organização de cooperação nas pesquisas astronômicas.

 O ESO mantém em funcionamento três observatórios de ponta, no Chile: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera o Very Large Telescope, o observatório astronômico óptico mais avançado do mundo e dois telescópios de rastreio.

 O VISTA, o maior telescópio de rastreio do mundo que trabalha no infravermelho e o VLT Survey Telescope, o maior telescópio concebido exclusivamente para mapear os céus no visível. O ESO é o parceiro europeu do revolucionário telescópio ALMA, o maior projeto astronômico que existe atualmente.

 O ESO está planejando o European Extremely Large Telescope, E-ELT, um telescópio de 39 metros que observará na banda do visível e infravermelho próximo. O E-ELT será “o maior olho do mundo virado para o céu”.

‣ Fonte: ESO

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