As equipas descobriram que as regiões internas vistas a partir de certos ângulos se parecem com um amendoim, enquanto que de uma perspectiva diferente podemos ver uma estrutura em X.
Esta forma estranha foi mapeada com o auxílio de dados públicos do telescópio de rastreio VISTA do ESO e também a partir de medições dos movimentos de centenas de estrelas muito ténues situadas no bojo central.
O bojo galáctico é uma das regiões mais importantes e de maior massa da nossa galáxia.
Esta enorme nuvem central com cerca de 10 000 milhões de estrelas tem uma dimensão de milhares de anos-luz, mas a sua estrutura e origem não eram bem compreendidas.
Infelizmente a partir do interior do disco galáctico que é a posição da Terra, a vista desta região central - a cerca de 27,000 anos-luz de distância - encontra-se fortemente obscurecida por nuvens densas de gás e poeira.
Os astrônomos apenas conseguem obter uma boa vista do bojo observando a grandes comprimentos de onda, tais como em radiação infravermelha, a qual consegue penetrar as nuvens de poeira.
O telescópio de 3,6 metros do ESO em La Silla, durante observações.
A Via Láctea, a nossa Galáxia, estende-se ao longo da imagem. É uma estrutura em forma de disco visto de perfil.
Por cima da cúpula do telescópio, iluminada pela Lua e parcialmente escondida por detrás de nuvens escuras de poeira, encontra-se o bojo central proeminente de cor amarelada da Via Láctea.
Todo o plano da galáxia contém aproximadamente cem mil milhões de estrelas, assim como quantidades significativas de gás e poeira interestelares.
A poeira absorve a radiação visível e reemite-a a comprimentos de onda maiores, parecendo totalmente opaca aos nossos olhos.
As antigas civilizações andinas viam nestes trilhos escuros as suas constelações em forma de animais.
Seguindo o trilho escuro que parece nascer do centro da galáxia e encaminhar-se em direção ao topo, encontramos a nebulosa avermelhada em torno de Antares (alfa do Escorpião).
O centro galáctico propriamente dito situa-se na constelação do Sagitário e atinge a sua máxima visibilidade durante o inverno austral.
É no telescópio de 3,6 metros do ESO, inaugurado em 1976, que se encontra atualmente instalado o espectrógrafo HARPS, o detector de exoplanetas mais preciso do mundo.
O Observatório de La Silla, situado 600 km a norte de Santiago e a 24,00 metros de altitude na periferia do deserto chileno do Atacama, foi o primeiro local do ESO no Chile e o maior observatório da sua época.
Agora, dois grupos de cientistas utilizaram novas observações de vários telescópios do ESO para obterem uma vista muito mais clara da estrutura do bojo.
O primeiro grupo, do Instituto Max Planck de Física Extraterrestre (MPE) em Garching, Alemanha, usou o rastreio no infravermelho próximo VVV do telescópio VISTA, instalado no Observatório do Paranal do ESO, no Chile.
Este novo rastreio público consegue observar estrelas trinta vezes mais ténues do que as observadas em anteriores rastreio ao bojo.
A equipa identificou um total de 22 milhões de estrelas pertencentes à classe das gigantes vermelhas, cujas propriedades bem conhecidas permitem calcular as suas distâncias.
“A profundidade do catálogo de estrelas VISTA excede de longe trabalhos anteriores e conseguimos detectar a população total destas estrelas em todas as regiões menos nas mais obscuras,” explica Christopher Wegg (MPE), autor principal do primeiro estudo.
“A partir desta distribuição estelar pudemos fazer um mapa a três dimensões do bojo galáctico". "Esta é a primeira vez que tal mapa é feito sem se assumir um modelo teórico para a forma do bojo.”
A segunda equipa internacional, liderada pelo estudante de doutoramento chileno Sergio Vásquez (Pontificia Universidad Católica de Chile, Santiago, Chile e ESO, Santiago, Chile), utilizou uma abordagem diferente para identificar a estrutura do bojo.
Ao comparar imagens observadas com o auxílio do telescópio MPG/ESO de 2,2 metros e obtidas com um intervalo de onze anos, a equipa pôde medir os minúsculos desvios no céu devido aos movimentos das estrelas do bojo.
Estes desvios foram combinados com medições dos movimentos das mesmas estrelas a aproximarem-se ou a afastarem-se da Terra, mapeando-se assim os movimentos de mais de 400 estrelas em três dimensões.
“Esta é a primeira vez que se obteve um grande número de velocidades em três dimensões para estrelas individuais do bojo”, conclui Vásquez.
“As estrelas que observamos parecem estar a mover-se ao longo dos braços em forma de X do bojo, à medida que as suas órbitas as levam para cima e para baixo e para fora do plano da Via Láctea". "Tudo isto se ajusta na perfeição com previsões de modelos atuais!”
Os astrônomos pensam que a Via Láctea era originalmente um disco puro de estrelas, que formou uma barra plana há milhares de milhões de anos atrás. Esta barra deu depois origem à forma de amendoim a três dimensões vista nas novas observações.
Os dados do rastreio VVV são postos à disposição da comunidade científica internacional através do Arquivo Científico do ESO, o que permitiu o estudo realizado no MPE.
As estrelas gigantes vermelhas foram escolhidas para este estudo uma vez que podem ser usadas como velas padrão: nesta fase da vida das estrelas gigantes a sua luminosidade é essencialmente independente da idade ou composição.
A quantidade de gás e poeira que obscurece as estrelas é calculada diretamente a partir das cores observadas das estrelas, por isso pode medir-se a sua distribuição de brilho sem obscurecimento.
Seguidamente e porque as estrelas vermelhas têm praticamente o mesmo brilho intrínseco, podemos obter distâncias aproximadas para cada estrela.
A boa cobertura espacial do rastreio VVV permitiu fazer medições em toda a região interna da Via Láctea e a partir daí pôde construir-se as medições a três dimensões da estrutura do bojo.
O amendoim referido corresponde a uma versão mais extrema desta forma, parecendo-se com um amendoim que tem no seu interior dois frutos do mesmo tamanho, com a casca a rodear ambos.
Estruturas em amendoim semelhantes foram observadas em bojos de outras galáxias e a sua formação, assim como a forma em X, foi prevista por simulações de computador.
As observações destas velocidades radiais foram feitas com o auxílio do espectrógrafo FLAMES-GIRAFFE, montado no Very Large Telescope do ESO e do espectrógrafo IMACS no Observatório de Las Campanas.
Muitas galáxias, incluindo a Via Láctea, têm estruturas finas e compridas ao longo das suas regiões centrais, conhecidas por barras.
Esta impressão artística mostra qual a forma da Via Láctea quando vista a partir de perspectivas muito diferente da que temos a partir da Terra.
De certos ângulos a bojo central parece uma bola brilhante de estrelas em forma de amendoim e de cima vemos claramente a barra central estreita.
Os muitos braços em espiral e as suas nuvens de poeira associadas também podem ser vistos de forma clara.
Animação de uma galáxia barrada como a Via Láctea, mostrando a presença de uma protuberância em forma de X. Estende-se até cerca da metade do raio da barra.
É diretamente visível quando a barra é vista de lado, mas quando o observador está perto do eixo longitudinal da barra, esta não pode ser visto diretamente e a sua presença só pode ser inferida a partir da distribuição de brilho das estrelas ao longo de uma dada direção.
Este trabalho foi descrito nos artigos científicos intitulados “Mapping the three-dimensional density of the Galactic bulge with VVV red clump stars” de C. Wegg et al., que será publicado na revista da especialidade Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, e “3D kinematics through the X-shaped Milky Way bulge”, de S. Vásquez et al., que foi recentemente publicado na revista Astronomy & Astrophysics.
A primeira equipa é composta por C. Wegg e O. Gerhard (ambos do Max-Planck-Institut für Extraterrestrische Physik, Garching, Alemanha).
A segunda equipa é composta por S. Vásquez (Pontificia Universidad Católica de Chile, Santiago, Chile; ESO, Santiago, Chile), M. Zoccali (Pontificia Universidad Católica de Chile), V. Hill (Université de Nice Sophia-Antipolis, CNRS, Observatoire de la Côte d’Azur, Nice, França), A. Renzini (INAF − Osservatorio Astronomico di Padova, Itália; Observatoire de Paris, França), O. A. González (ESO, Santiago, Chile), E. Gardner (Université de Franche-Comté, Besançon, França), V. P. Debattista (University of Central Lancashire, Preston, RU), A. C. Robin (Université de Franche-Comté), M. Rejkuba (ESO, Garching, Alemanha), M. Baffico (Pontificia Universidad Católica de Chile), M. Monelli (Instituto de Astrofísica de Canarias, La Laguna, Tenerife, Espanha; Universidad de La Laguna, La Laguna, Tenerife, Espanha), V. Motta (Universidad de Valparaiso, Chile) e D. Minniti (Pontificia Universidad Católica de Chile; Observatório do Vaticano, Itália).
Fonte: ESO - European Southern Observatory
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